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23 de março de 2016

O experimento – Daniel Vianna

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O que pode acontecer quando algumas crianças são nomeadas para assumir a administração total de uma escola? (*)

(*) Uma história baseada em fatos reais (tão reais que talvez estejam acontecendo bem próximo a você!)

Há muito tempo atrás, um cientista político estrangeiro – um dos mais famosos no seu campo de atuação – estava entediado com os rumos de seu país. Vendo que as suas recomendações não eram ouvidas (e muitas vezes ele próprio era alvejado pelos políticos quando abria a boca), decidiu fazer um experimento controverso e polêmico, fora de sua especialidade, para embasar uma constatação que há tempos construía na cabeça: escolher uma escola qualquer, e passar a sua direção única e exclusivamente para os alunos, sem qualquer interferência de pais e professores.

Neste experimento, um grupo de alunos seria responsável por toda a administração da escola: pelas matérias a serem dadas, pelas finanças, pelas dívidas a serem pagas, pela escolha do cardápio do refeitório e por aí vai. No início, houve gritaria por parte dos pais e dos diretores:Mas como?”; ”As crianças vão ser supervisionadas de longe, né?!”; “E se eu não aceitar que meu filho participe?!”.

O cientista sofreu uma série de contratempos para colocar o seu plano em prática. Mas, ao abrir o seu talão de cheques e informar a generosa soma que seria oferecida aos pais dos participantes e ao próprio colégio (pela cessão do espaço e pelos dias de anormalidade que se seguiriam), os questionamentos desapareceram, como em um passe de mágica! “Será tudo por conta do Instituto que represento! Agradeçam a eles!”, reforçou o cientista, assinando o seu nome em diversas folhas de cheque.

O experimento durou um total de vinte cinco dias (cinco a menos do que o previsto!). Abaixo, seguem trechos extraídos do diário da equipe (em forma de rascunho), com algumas observações apontadas pelos pesquisadores:

“Para começar, separamos os adolescentes das crianças. Eram cem participantes, no total Mas, destes, apenas vinte seriam os responsáveis pela condução da escola naqueles dias. Demos a eles papéis e responsabilidades gerais. Os demais deveriam apenas obedecê-los  (…)”

No primeiro dia, as crianças formaram “panelas” – pequenos grupos conforme sua afinidade, ou brincadeira favorita. Apesar dos professores seguirem com a sua rotina normal, nenhuma criança havia ousado entrar na sala de aula até aquele momento. Afinal, os “vinte” haviam ordenado que ficassem no pátio e nas quadras brincando  (…)

 (…) No quinto dia, entretanto, uma das crianças (que não fazia parte dos vinte selecionados) resolveu perambular pela Secretaria da escola. Estava vazia (conforme o planejamento de nossa equipe, pudemos observá-lo através das câmeras de vigilância e das escutas no local). Uma das divisórias continha, de propósito,  um grande cofre totalmente aberto, cheio de balas, chocolates e os mais variados doces (conforme havíamos estabelecido em nosso roteiro). A criança então ficou ali parada. Observava apenas, sem tomar qualquer atitude. Estava diante de uma quantidade de doces que jamais havia visto durante toda a sua vida! Andava cansado de, a toda hora, ser repreendido pela sua mãe quando pedia por um chocolate. Esta até lhe dava um ”quadradinho” ou outro e muitas vezes tinha que comprar escondido. Foi então que ouviu vozes. Como por reflexo, aproximou-se do cofre, pegou algumas barras de chocolate e encostou a portinhola, sem trancá-la. Os colegas se aproximaram. Eram cinco, e faziam parte dos vinte líderes. Enquadraram o menino, perguntando por que ele não estava no pátio com as outras crianças. Começaram a dizer que ele não era “do grupo” e que não poderia estar ali. A criança, então, empunhou as barras de chocolate e as distribuiu entre os cinco, que imediatamente esqueceram o tom de ameaça. A criança, percebendo a enorme influência que os doces tinham nos colegas, continuou: “E tem mais! Muito mais! Mas só se vocês fizerem exatamente o que quero!”. Os cinco imediatamente acenaram com a cabeça, atentos à próxima instrução do colega (…)”

(…) no 5º  dia, “os cinco” (como ficaram conhecidos) passaram a exigir uma quantia diária de doces para a proteção de Willy (apelido pelo qual ficou conhecido, em alusão a Willy Wonka) – pois este estava ganhando notoriedade no colégio como o “Rei dos Doces”. Ele perambulava as rodas de brincadeiras no pátio, as quadras poliesportivas, os bosques onde os adolescentes arriscavam o seu primeiro beijo e fazia questão de distribuir doces para todos. Todos estavam felizes com aquela fartura. Nossa equipe identificou que Willy havia removido os doces do cofre e os havia escondido em um local secreto, e passou a distribuí-los buscando manter a sua popularidade em alta e ter as suas demandas atendidas (…)

(…) No 15º dia, Willy percebeu que os doces estavam para acabar e, com isso, o seu breve reinado. Para piorar as coisas, percebeu que os demais líderes (que não faziam parte dos cinco que o apoiavam) estavam ressentidos por não terem quaisquer privilégios e tramavam contra ele. Notamos que até este dia, nenhum aluno havia pisado em sala de aula. Através de nossas câmeras, percebemos que alguns professores estavam aproveitando para corrigir provas. Outros desistiram e resolveram ficar em casa, apostando no fato de que, enquanto durasse o experimento, ninguém iria aparecer. (…)

(…) No 16º dia, Willy resolveu melhorar um pouco o seu prestígio e exigiu mudanças no cardápio do refeitório. Deu algumas barras de chocolate para a turma responsável pela merenda escolar. Willy exigiu que naqueles dias só fossem servidos hambúrgueres, batatas-fritas e refrigerantes. Os pais de alguns alunos quiseram intervir, mas a nossa equipe conseguiu convencê-los de que isto poderia arruinar a pesquisa. Na inauguração do novo cardápio, Willy fez um breve discurso, pois queria que todos soubessem quem tinha feito aquilo por eles. Foi muito aplaudido (…)

(…) No 17º dia, começaram a faltar doces. Alguns poucos alunos finalmente se deram conta e começaram a se preocupar com suas tarefas e responsabilidades, desconfiando que talvez estivessem perdendo um tempo precioso e que isto que lhes custaria caro mais adiante. Resolveram, então, se dirigir à sala de aula voluntariamente. Os professores voltaram a se animar, cheios de esperança. Willy, por outro lado, começou a ver de novo a sua popularidade despencar. Resolveu, então, utilizar os últimos doces que tinha em mãos para organizar um supercampeonato de brincadeiras, onde somente os vencedores teriam direito à última leva dos já escassos “recursos”: “esconde-esconde”, “pega-pega”, “telefone sem fio”, “cabra-cega” e “jogo da verdade”. Os perdedores seriam obrigados a devolver todos os doces que haviam consumido para Willy e sua turma. Dessa forma, conseguiriam manter o abastecimento de doces e a sua influência por mais algum tempo. Cada brincadeira seria supervisionada por um dos cinco meninos de sua confiança, para que as regras não fossem quebradas. (…)

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(…) Foi no 25º dia que nossa equipe precisou intervir, com risco de nossa pesquisa ir pelos ares. Um dia antes da final do supercampeonato e das premiações, Willy resolveu se certificar que os doces estavam a salvo em seu esconderijo. Chegando lá, entrou em estado de choque: um garoto, um pouco mais novo que ele, se lambuzava com uma barra de chocolate. Ele havia sido descoberto! E, para, piorar a situação, Willy descobriu que aquela era a última …a última barra de chocolate! Ao ver o emaranhado de embalagens ao lado do menino percebeu que, na verdade, aquele era o último doce!!

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O garoto simplesmente havia acabado com todo o seu estoque secreto

Sem hesitar (e aproveitando a sua vantagem de tamanho), Willy partiu para cima do garoto e começou a ameaçá-lo. O garoto era sobrinho da diretora da escola e ameaçou Willy: “Se você me machucar, eu vou contar que você roubou os doces e os escondeu aqui e que você os enganou esse tempo todo!”. E apresentou a carta que tinha na manga:

Eu sou o único que tem a senha de Wi-Fi da escola!” – e continuou, cheio de si:  “A minha tia contou só para mim! Mas disse para nunca repassá-la às outras crianças! Se você me encostar o dedo, eu vou soletra-la pelo alto-falante da Secretaria, com a condição que as crianças te ignorem pelo resto do ano letivo! Quero ver de que lado elas vão ficar!”.

 

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Vendo-se sem alternativas, Willy recuou, para o alívio de nossa time (e da tia do rapaz, que acompanhava a nossa pesquisa de perto!) (….)

 (…) Para desespero de Willy, o sobrinho da Diretora não estava para brincadeiras. Saindo do esconderijo, dirigiu-se à roda do jogo da verdade. E, quando perguntado sobre o porquê da grande mancha escura em sua roupa (culpa do chocolate!)foi obrigado a contar toda a verdade: mencionou que Willy tinha um esconderijo para os doces, que os doces na verdade nunca haviam sido dele e que ele havia comido todos os doces restantes e, que por conta disso, as premiações do supercampeonato estavam comprometidas!

Um burburinho começou aqui e ali.

A turma do pega-pega foi a primeira a tomar uma atitude: resolveu dirigir toda a sua raiva e energia para capturar Willy.

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A turma do telefone sem-fio não se entendia. Demoraram a entender o que se passava.

A turma da cabra-cega, apesar de ouvir tudo o que se passava, preferiu continuar de olhos bem fechados!

A turma do esconde-esconde se solidarizou com Willy, tentando protegê-lo da forma como podiam exigindo, claro, alguns doces como garantia. O garoto, mesmo não tendo mais nenhum para oferecer, prometeu que os conseguiria... (…)

 (…) Às 16h do 25º dia, nossa equipe encerrou o experimento. Por motivos de segurança, tivemos que fazê-lo cinco dias antes do planejado! Quando a turma do pega-pega localizou Willy, não tivemos escolha! Apesar de não termos seguido à risca o nosso cronograma, já havíamos colhido todos os resultados que precisávamos. Tudo o que havíamos previsto, de fato, aconteceu! (Quem dera se Maquiavel estivesse vivo e Frank Underwood fosse real!)

As nossas conclusões sobre este trabalho?

Adianto para vocês, logo abaixo! (e, por favor, não espalhem, é confidencial! Mas, de alguma forma, por intuição, você talvez já as conheça!):

  • Em determinadas situações, crianças podem manifestar atos políticos assim como políticos podem manifestar atos infantis;

 

  • Assim como a maioria das crianças se esqueceram do motivo principal pela qual estavam ali, o mesmo tipo de “amnésia” pode ser constatado em alguns dirigentes;
  • Talões de cheque podem ser extremamente eficientes contra questionamentos e posições contrárias;

 

  • É doce” o gosto do poder;

 

  • A manutenção do poder nunca é gratuita (pode, inclusive, ser comprada com “barras de chocolate”);

  

  • O poder é como chocolate: é possível se “lambuzar” com ele (!) ;

 

  • O poder pode ser fabricado a partir de uma falsa percepção inicial de “escassez”. A escassez deixará de ser falsa se os recursos forem administrados de forma irresponsável e se a sua sustentabilidade não for promovida (doces não duram para sempre!);

 

  • Manter a popularidade em alta é essencial para continuar no topo. Mas é essencial também manter o “grupo” dominante feliz. É necessário equilíbrio na utilização dos recursos para que todos mantenham o sorriso estampado no rosto e se os dois deixarem de sorrir ao mesmo tempo, isto pode ser o prenúncio do fim (!);

 

  • Promova uma sensação de que estes “recursos” são eternos;

 

  • Para manter-se no poder, é necessário promover a distração dos demais (“campeonatos, brincadeiras e gincanas”) e garantir um razoável abastecimento de “quitutes” – tudo para que não enxerguem a “sala de aula”;

 

  • Quem possui os recursos nem sempre está pensando no bem-estar dos demais – pelo menos não no longo prazo (hambúrgueres e batatas fritas não são “necessariamente” saudáveis…);

 

  • Quando os recursos acabam, a crise começa. E, na crise, é necessário achar um culpado o mais rápido possível (Pobre Willy!);

  

  • O delator quase sempre será alguém que foi ameaçado e que também chegou a se lambuzar;

 

  • O delator sempre terá uma “carta na manga” (vale, inclusive, ter a “senha de Wi-Fi!”) e possivelmente terá as costas-quentes (“sobrinho de diretora”, por exemplo);

 

  • A verdade sempre vem à tona – às vezes até antes do esperado (cinco dias, no nosso experimento!);

 

  • E, para finalizar, a mais triste das constatações: Viver de doces, mesmo que por alguns poucos dias, pode ser mais interessante e menos trabalhoso do que buscar o conhecimento e a auto responsabilidade (lembrando que a “porta da sala de aula” esteve sempre aberta, mas uma minoria ousou passar por ela)!

 

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Comentários

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2 Comments on “O experimento – Daniel Vianna

Henrique Klassmann Wendland
23 de março de 2016 em 17:45

Daniel,

Como já disse antes, é visível a tua evolução na escrita. Parabéns pelo espaço e pelos textos. Este, em especial, explica muita coisa, embora só enxergue quem quer…

Um abraço e continue escrevendo sempre!

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odespertador
28 de março de 2016 em 18:22

Obrigado Henrique!! Sempre muito bem vindo o teu feedback!! Um grande abraço!

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