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26 de junho de 2015

Somos melhores que os dinos? – Daniel Vianna

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Qual será a real ameaça neste novo filme da série?

Na semana passada, tive a oportunidade de assistir o último filme da série Jurassic Park. Fiquei muito bem impressionado!

De alguma forma, senti que o filme está muito conectado com o primeiro da série, exibido em 1993 e que assisti quando garoto.

Talvez esta impressão seja alimentada pelas várias menções ao idealizador do parque — John Hammond (o inesquecível Richard Attenborough, diretor de filmes como “Chaplin” e “Ghandi”) que, inclusive, ganhou uma estátua no novo parque. Ou pelo papel redentor do T-Rex que, a meu ver, sempre foi e sempre será o protagonista dessa série — embora apareça sempre por poucos, mas decisivos minutos!

Mas a questão essencial da série Jurassic Park — evidenciada desde o primeiro filme e novamente tratada com muita inteligência neste último — foi sempre esta: o domínio e controle do homem sobre a natureza.

O filme já se inicia com uma provocação visual em torno deste aparente “domínio”: ovos em um laboratório — à primeira vista inofensivos e com aspecto natural — sendo lentamente quebrados para a revelação de um conteúdo assustador e mortífero que, como já sabemos, foi manipulado pelo homem e fatalmente, em algum momento do filme, se rebelará contra o seu criador. Dito e feito!

No filme de 1993, o doutor Ian Malcolm (interpretado pelo “mosca” Jeff Goldblum), já alertava sobre os experimentos realizados na primeira versão do parque. No seu papel de matemático cético, suportado pelos princípios da Teoria do Caos, foi um crítico ferrenho de Hammond com relação às atividades que ele estava executando naquele local.

Segundo o Dr. Malcolm, tal controle sobre eventos complexos — neste caso, a manipulação de embriões e criação em cativeiro de animais extintos há milhões de anos — era impossível. Felizmente, naquela ocasião, tudo deu errado antes que o parque fosse inaugurado.

Para os que se lembram, os dinos começaram a se reproduzir, ignorando o fato que de que só haviam sido produzidas fêmeas no local. Uma sequência de DNA de rã, utilizada para contornar uma lacuna existente no DNA original dos dinos foi a origem de todos os problemas. “A natureza encontrou um jeito!”, como disse o paleontólogo Alan Grant (interpretado por Sam Neill).

No filme de 2015, nos deparamos de imediato com um parque estabelecido e a pleno vapor, altamente controlado e rentável aos investidores. Tudo dentro da mais perfeita ordem. A personagem Claire (interpretada por Bryce Dallas Howard, de “A Vila”) banca o estereótipo da executiva atarefada e eficiente, que, em um primeiro momento, demonstra mais preocupação com a escalada dos custos operacionais do parque do que passar o tempo com os sobrinhos que foram lhe fazer uma visita.

Claire está ansiosa para mostrar serviço ao chefe Simon (interpretado pelo ator indiano Irrfan Khan, de “As aventuras de Pi”) — que, no primeiro momento do filme, até demonstra uma certa humanidade, tentando desacelerar a agitada Claire, para na sequência se apresentar como mais um empresário sem escrúpulos, disposto a qualquer coisa para aumentar o faturamento do parque e que teima em chamar as criaturas de assets (ativos, no sentido contábil mesmo — mais irônico impossível!).

Ambos estão ansiosos para conhecer a mais nova e horrenda criatura, desenvolvida para satisfazer aos mais exigentes visitantes: um ser híbrido, que mistura T-Rex com Velociraptor e uma pitada de cobra, ou seja, uma salada de dino completa. Obviamente, você sabe que isto não acabará bem (e não se necessita de spoilers para tal constatação).

O curioso é que, quando as coisas finalmente fogem do controle, Simon procura o cientista responsável pelo monstro e, ao perguntar quem havia autorizado tal procedimento, ouve um retumbante: “Você mesmo! Você disse para fazermos diferente, maior e mais assustador…”. Quanto a nós, se encararmos essa verdade indigesta, assim como Simon o fez, chegaremos à conclusão de que o tal dino mutante é a parte inocente deste imbróglio todo. Na contabilidade dos estragos, perde feio para a megalomania — característica cem por cento humana e não dos seres da pré-história.

Outro aspecto interessante do filme é a aparente “humanização” dos Velociraptors, que agora são (quase) domesticáveis e capazes de se comunicar. Não demora muito para que um dos vilões do filme enxergue uma oportunidade de utilizá-los como máquina de guerra pois, é claro, eles estão “sob controle” e podem perfeitamente serem utilizados em qualquer campo de batalha.

Além disso, o que podemos dizer dos comentários acerca do dino mutante, quando os funcionários do parque se deparam com um campo cheio de dinossauros mortos por ele: “Ele está matando por esporte!” ou “Está reconhecendo-se a si mesmo e está vendo tudo pela primeira vez. Está assustado!” (É sabido que existe um certo ser bípede que anda por esse planeta já há algum tempo e que exibe este mesmo comportamento — e, pelo que sei, já teve tempo suficiente para reconhecer a sua verdadeira essência, mas teima em não fazê-lo!)

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A miopia, como o filme deixa bem claro, começa quando se passa a enxergar seres vivos como “números em uma planilha”: todos os tipos de distorções e descontroles se originam a partir daí.

Inclusive, este argumento pode ser muito rico em reflexões sobre como temos atuado em nosso mundo em relação ao tratamento dado aos seres vivos de modo geral, principalmente quando as suas vidas estão vinculadas à existência de um negócio.

Tomem, por exemplo, a forma como criamos em cativeiro e executamos os animais com os quais nos alimentamos ou até mesmo a gestão de hospitais públicos destinados a nós, seres humanos (!).

Até que ponto temos feito sacrifícios de recursos essenciais em nome da redução de custos e atingimento de metas? Até que ponto os recursos existentes têm sido bem empregados? Ou, aonde termina a escassez real e começa o desdém humano?

Fechar os olhos para estas questões pode criar um círculo vicioso e obscuro, que nos leva à indiferença, fazendo com que tomemos sempre o caminho mais fácil e lucrativo. Infelizmente, essa escolha funciona como um “tiro no pé” — pois, afinal, de alguma forma seremos todos atingidos mais cedo ou mais tarde.

Garantir o real bem-estar do ser, seja ele dinossauro ou não, sempre será tarefa mais complicada e que exigirá mais de nós.

Em tempo (e condizente com o assunto tratado acima), recomendo fortemente reportagem divulgada no portal Exame em 2012 (link abaixo), que menciona a assinatura de um manifesto por pesquisadores renomados, afirmando que alguns animais (como pássaros, macacos, elefantes, golfinhos, polvos, cães e gatos) possuem consciência, assim como seres humanos. Entre os nomes dos pesquisadores, encontra-se Stephen Hawking. Só se esqueceram de colocar o Velociraptor na lista…

Aos poucos estamos chegando lá!

http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/nao-e-mais-possivel-dizer-que-nao-sabiamos-diz-philip-low/

Comentários

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2 Comments on “Somos melhores que os dinos? – Daniel Vianna

Otávio Silveira Brotero
2 de julho de 2015 em 18:01

– Há uma certa arrogância histórica de que outros seres não tem consciência; sentimento que instrumentaliza bem o mercantilismo e o desequilíbrio da vida no planeta. Sistemas complexos não são tão controláveis quanto as pessoas pensam. E assim o script de um projeto pode ter um desdobramento muito mais diferente do que o imaginado.

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odespertador
2 de julho de 2015 em 19:47

Perfeito Otávio! Essa era a mensagem do texto. Ou o alerta. Continue nos acompanhando e dando sua opinião – que aliás é super bem-vinda pela sua excelente base cultural! Forte abraço! DANIEL

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